sexta-feira, maio 11, 2007

A Bailarina

Na ponta dos pés,
O olhar de tão menina,
Ela dança,
A bailarina.

Em cima do tablado
Sapateia com disciplina;
Ela flamenca;
A Bailarina.

Seus cabelos longos;
Tudo rubro na retina;
Ela fascina;
A Bailarina.

Fico, assim, embriagado
De uma sina;
Ela inebria
A Bailarina.

Este amor me consome,
Como da vela a parafina
Ela devora
A Bailarina.

Num passo arrebata,
Um beijo de cajuína;
Ela ama;
A Bailarina.

Ela me abandona
Sozinho na neblina;
Ela some
A Bailarina.

domingo, maio 06, 2007

Manual do Revolucionário Moderno

(reeditado do inhamefilosofante antigo)

Hobsbawn diz que estamos passando por uma crise de utopias. Concordo com ele. As pessoas não vêem mais sentido em mobilizações, marchas (sejam elas “com Deus, pela propriedade e a Família”, ou pela reforma agrária) – desconsidero a dos MGLTS que não passam de um grande carnaval – abaixo-assinados, boicotes e até mesmo a simples e compreensível indignação frente à corrupção por exemplo. Ninguém mais acredita nos grandes ideais, ou nas grandes causas. Não existem mais grandes causas. Por conta disso resolvi deixar este pequeno legado para as gerações futuras, para que não pensem que o pessoal que nasceu nos anos 1980 e 1990 era uma grande massa uniforme e alienada.

Primeiro ponto.
Seja um obeso ou esquelético.
Numa sociedade de culto ao corpo estar em uma dessas categorias configura-se um grande ato de revolta. O importante é estar desalinhado com o padrão de beleza imposto pela sociedade moderna. Nada de corpos que lembrem uma escultura de Michelangelo (desculpem-me as pessoas que cultivam o corpo, comparar estas maravilhas criadas nas academias com obras feitas com pedra e cinzel é muita grosseria da minha parte), mas que pareçam caricaturas mal feitas como símbolos da resistência a nova ordem. Ao invés de barrigas de tanquinho uma barriga de cerveja com estrias roxas por toda parte. Ao invés de músculos saltando pelas roupas, ossos bem definidos sobre a pele. O revolucionário moderno tem que compreender que deve usar seu corpo como uma arma contra o modelo de sociedade vigente; como forma de resistência política àqueles que nos querem tornar em um grande exército de barbies e kens.

Ponto B.
Leia os clássicos.
Abomine livros de auto-ajuda e best sellers (tirando a Bíblia e os do LFV, que não têm culpa de venderem bem). Os que aparecem em listas como a da “Veja”, “Gazeta do Povo”, ou que o autor aparece na ilha de Caras devem ser completamente ignorados, salvo para tirar sarro. Leia os clássicos, de preferência em sua língua original. Leia Platão, Shakespeare, Goethe, Nietzsche, Sartre, todos os românticos franceses. Despreze os Browns e os Johnson da vida. Despreze ainda mais os que fazem cópias baratas destes autores. Se alguém perguntar se você leu o “Qualquer coisa do Graal” ou o “Quem mexeu no meu...?” (complete com o que desejar) diga que você esta lendo a “Montanha Mágica” do Thomas Mann, ou “Os Miseráveis” em francês. Um revolucionário tem que ter um cabedal respeitável de cultura. Como alguém quer construir uma nova sociedade se nunca leu “A República” de Platão?

Item 3.
Fuja da mediocridade/vulgaridade.
Corra da mediocridade como o diabo da cruz. Conheça as coisas não só de ouvir falar. Não seja um papagaio de pirata. Se quiserem que você dê sua opinião abalizada sobre algum assunto não repita as baboseiras do Arnaldo Jabor, ou de qualquer comentarista da Globo. Fuja do “óbvio ululante” que ronda as mentes atuais. Informe-se. Isto fará com que ganhemos a guerra.

Quarto Mandamento.
Seja politicamente incorreto.
Uma pessoa que não enxerga é cego, cegueta. Uma pessoa que gosta de homem (e não é mulher) é bicha, viadinho, baitola; assim como mulher que gosta de mulher é sapatão, sapata, cola velcro. Uma pessoa de cor é negra. Alguém que não anda direito é manco. Nada de deficiente visual, homossexual, afro-descendente ou deficiente físico. Esta histeria do “politicamente correto” está minando as bases da sociedade. Se chamassem o Dr Luther King de afro-descendente ele nunca teria começado o movimento que angariou vários direitos aos negros norte-americanos. Eles querem fazer de cada pessoa um “Big brother” (do Orwell, não dá Globo. Dúvidas? volte ao ponto B); um alcagüete; um dedo-duro. Todos se policiando e se culpando torna-nos mais fáceis de sermos controlados. Assim nada sai dos eixos, porque ninguém vai emitir sua opinião em público com medo das represálias dos seus pares. Ensinar os filhos a cantar “Atirei o pau no gato” é o grande legado para as gerações vindouras. È a base do “politicamente incorreto”. Sem contar que uma criancinha fazendo apologia à violência causará horror a toda trupe ensandecida e vigilante do “politicamente correto”.

Mais alguns conselhos.
- Os revolucionários modernos devem abominar Che Guevara, porque ele virou fashion. Amem o Fidel, que não está na moda e lutou pelos mesmos ideais do “Che” (e que, segundo Sartre, ensinou o argentino o que ele sabia sobre revolução). Nada de camisetas da C&A com a foto do cabrón. Faça uma em casa e use-a!
- Piercing era o máximo da rebeldia nos idos anos 80. Agora 10 entre 10 modelos do Fashion Week usam. Um piercing íntimo pode ser uma saída.
- Assista TV Senado e TV Câmara ao invés de Globo e SBT.
- Não use roupas de marcas, nem compradas em grandes magazines. Melhor: não use nada. Não seja um “rebelde sem causa”, mas um “rebelde sem calças” como diria o poeta.
- O mundo moderno costuma transformar todos os símbolos de rebeldia em mercadoria e os comercializar, por isto é importante que o Revolucionário moderno seja uma “Metamorfose Ambulante”, como diria Raul (que também já caiu nas graças da burguesia), e que, acima de tudo, não seja consumista.
- Finalmente o revolucionário de nossos dias deve amar tudo o que é kitsh, mesmo não sabendo o que é isto direito (e o medo de cair no mau gosto!?)


Você não precisa seguir todos esses conselhos. Com certeza seguindo-os você não mudará o mundo. Mas crer, propagar e praticar pelo menos um deles tornará o mundo um lugar menos idiota para se viver...

quinta-feira, maio 03, 2007

Poeminha de Quinta

Teus olhos sorriem ao olhar
Que de tal forma me encantam
E me fazem, sinceramente, pensar
Por que eles também não cantam?

Assim me perco em devaneios
E enfrento inúmeras intempéries
Pergunto-lhe, enfim, sem rodeios:
Por que não me queres?

Contemplando-te adentro a beleza,
Alvíssimo sonho de mulher,
E passo a entender a natureza
De não ter o que se quer.

E mais nada importaria
Se teu olhar me acompanhasse;
Minha vida de tal forma se iluminaria,
Como um eterno sol que nasce.

(aula da judite o3/05)

quarta-feira, maio 02, 2007

Soneto

Aqui vai uma tradução de um soneto de Shakespeare. Segui a rima (abab abab abab cc), forma comum dos sonetos de Shakespeare e que as vezes eu imito. Não coloquei nenhuma métrica porque não tenho capacidade para tanto. Bom, quem quiser me presentear pode me dar um livro com os sonetos do bardo. Tem um da Martin Claret que parece ser muito bom (Apesar de feios, segundo meu amigo Palma, eles possuem boas traduções). Lembrem-se meninos e meninas: traduções são iguais as esposas: as boas não são fiéis e as fiéis não são boas.

Da mais alva criatura desejamos aumentar,
Que por meio disso a bela rosa nunca morrerá,
Mas como o maduro tem o tempo para expirar,
Sua suave herança sua memória conterá.

Mas tu contrataste para teus olhos brilhantes,
Alimentando a chama da tua luz como combustível,
Provocando uma escassez em meio a mentiras abundantes,
Teu “eu” teu adversário, para teu doce eu tão vil.

Tu que a arte, ao mundo, um novo ornamento traz,
E o único arauto para a esplêndida primavera,
Dentro de teu próprio broto, enterrada tua paz
E o doce beócio desperdiça onde a mesquinhez impera.

Lamenta o mundo, ou mas este ser voraz,
Para comer o direito, a ti, a campa e o que lhe compraz.



From fairest creatures we desire increase,
That thereby beauty's rose might never die,
But as the riper should by time decease,
His tender heir might bear his memory:

But thou contracted to thine own bright eyes,
Feed'st thy light's flame with self-substantial fuel,
Making a famine where abundance lies,
Thy self thy foe, to thy sweet self too cruel:

Thou that art now the world's fresh ornament,
And only herald to the gaudy spring,
Within thine own bud buriest thy content,
And tender churl mak'st waste in niggarding:

Pity the world, or else this glutton be,
To eat the world's due, by the grave and thee.

A vida tem dessas coisas.

Ele

Antônio era um homem tranqüilo. De compleição fraca, procurava não se preocupar muito com as coisas que o rodavam. Era marceneiro de profissão e trabalhava sozinho num galpão alugado. Fazia móveis, portas, janelas e brinquedos. Se bem que ninguém mais comprava brinquedos de madeira, mas ele os continuava fazendo. Não tinha muitos amigos, não freqüentava bares e não saía a noite. Chegava em casa, religiosamente, às 19hs, preparava sua janta, pois morava sozinho, e ia dormir logo após o jornal. Aos domingos passeava no parque perto de sua casa. Gostava de andar descalço pela grama e se sentar embaixo de uma árvore e para ver as pessoas passeando com suas famílias. Foi num desses passeios que conheceu Sílvia.

Ela.

Silvia era uma moça tímida e muito quieta. Ninguém sabe ao certo como os dois começaram a namorar. Ela sempre passeava com a irmã e os sobrinhos no parque e via aquele jovem senhor sentado ali, triste e solitário que dava dó. Parece que num domingo desses, ela se sentou ao lado dele e pegou-lhe a mão. Talvez tenha sido pena de vê-lo assim tão sozinho, ou então uma paixão repentina; não importa: eles começaram a namorar e três meses depois eles se casaram.

O Casamento.


A festa foi bem simples, na casa dos pais da noiva e para uns poucos convidados. Um padre amigo da família oficiou o casamento. Não viajaram em lua-de-mel. Ela simplesmente levou suas poucas roupas para a casa de Antônio e deu um jeito de arrumar o lugar, deixando-o um pouco mais confortável. Sílvia passou a trabalhar de diarista durante meio período e no resto do dia cuidava da casa. Agora Antônio já encontrava a janta pronta quando chegava em casa e passou a dormir depois da novela, para esperar a esposa. Aos domingos os dois iam ao parque depois do almoço e ao entardecer ela ia visitar a família e ele ia para um bar jogar dominó com uns primos de sua mulher. Foi no bar que ele conheceu Vanger, conhecida como Vandeca furacão.

A outra.

Vandeca furacão era o terror das esposas do bairro. Uma morena exuberante, que ia para o Rio de Janeiro desfilar em escola de samba e vivia no bar em meio aos homens, não se importando com os comentários das outras. Antônio ficou, como os demais, embasbacado com a espontaneidade e a beleza de Vandeca e por uma dessas ironias da vida, e a vida tem dessas coisas, ela também ficou interessada por ele. Passou a jogar dominó também para sentar-se ao lado de Antônio e encostar-se em sua perna. Por vezes se debruçava sobre a mesa e deixava transparecer o seu decote que ia até o umbigo. Ao final, tantas fez que conquistou o pobre do rapaz. Viraram amantes e ela ia todos os dias a sua oficina para encontrá-lo. Passaram dois meses desta maneira: todas as tardes, lá pelas 17hs, Antônio fechava o galpão e esperava Vandeca, com quem ficava até o final do seu expediente.


A briga.

Nestes dois meses todo o bairro já sabia do caso dos dois, inclusive Sílvia. Ela se fazia de boba, para não sofrer, mas no fundo sabia o que estava acontecendo. Foi um dia, Antônio chegou em casa e não encontrou a janta pronta. Ouviu barulho de choro no quarto e foi ver o que estava acontecendo. Sílvia estava com as mãos sobre o rosto e chorava copiosamente. Antônio quis saber o que aconteceu e recebeu de Silvia a resposta junto com uma metralhadora de palavrões. O resumo da ópera era que Vandeca tinha passado a tarde em frente à casa deles, anunciando para todo mundo onde ia e o que ia fazer. Sílvia não podia agüentar. Não agora que estava grávida. Antônio ficou mudo, mas sabia como ia resolver tudo. No outro dia Antônio carregou a mulher até o galpão e ficou trancado com ela até Vandeca chegar. Estava com um revolver calibre trinta e oito, que não serve para mais nada a não ser matar pessoas, que recebeu como pagamento de um serviço. As 17hs, a outra chegou e encontrou os dois quietos, esperando. Ficou muda também. Antônio mandou-a se sentar e começou a andar pelo galpão. Alguns vizinhos descobriram o que estava acontecendo e chamaram a polícia. Quando os guardas chegaram e cercaram o galpão tudo já tinha acabado. Pouco antes os vizinhos escutaram um disparo e correram para ver. No chão estava Antônio, com um tiro na cabeça e a arma na mão. Suicidou-se. E não o fez sem antes dar um demorado beijo na esposa jurando que só a ela amava. No galpão apenas Vandeca chorava. Sílvia estava firme, olhando com pena para o seu marido e para a outra. Ela ao menos sabia o que era ter sido amada.

domingo, abril 29, 2007

Minha vida!

Falhei miseravelmente em fazê-la feliz...



Regra Três
(Vinicius de Moraes / Toquinho)
Tantas você fez que ela cansou
Porque você, rapaz
Abusou da regra três
Onde menos vale mais
Da primeira vez ela chorou
Mas resolveu ficar
É que os momentos felizes
Tinham deixado raízes no seu penar
Depois perdeu a esperança
Porque o perdão também cansa de perdoar
Tem sempre o dia em que a casa cai
Pois vai curtir seu deserto, vai.
Mas deixe a lâmpada acesa
Se algum dia a tristeza quiser entrar
E uma bebida por perto
Porque você pode estar certo que vai chorar

sábado, abril 28, 2007

Poesias

duas, das antigas, e que têm a ver com a data de hoje (presente e passado)...


Andando só, sob o luar;
Triste e pensativo, o frio me aquecia;
Teu nome comecei a chamar,
Mas você não respondia.

Dei-me a sonhar, a divagações;
Comecei a pensar em você.
O que tem de bela e doce?
O que faz destruir os corações?

Ponho-me a escrever;
Para ver se você sente,
Compreende, passa a entender;
O quê em você me prende.

Não serão seus olhos de menina;
Não serão suas formas de mulher;
Não serão seus beijos de cajuína;
Não será este teu modo de querer.

Será tua alma incontrolável;
Teu modo de ser meio amalucado;
Teu modo de chorar; teu sorriso imaculado;
E por você ser, unicamente, inexplicável.

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Ela me lembra
uma das amigas da minha irmã
Mas não uma santa.

Ela me lembra
uma adolescente descobrindo a vida,
Mas não uma santa.

Ela me lembra
uma cortesã no exercício de seu oficio,
Mas não uma santa.

Ela me lembra
uma qualquer que ama, ri, chora,
Mas não uma santa.

Ela me lembra
uma mulher, uma menina, uma rapariga,
Mas não uma santa.

Talvez ela nunca tenha sido uma santa!

quarta-feira, abril 25, 2007

Poesia n° 4

Da coleção "Hebréia"

Tu me olhaste;
Parecia que não me conhecia.
Tristeza.
Amanhecia.

Te chamei e sorriste;
Te olhar me nutria.
Surpresa.
Meio-dia.

Ao meu lado caminhaste,
Meu coração por ti ardia.
Silêncio.
Entardecia.

De mim te aproximaste;
Minha boca te queria.
Lábios
Anoitecia

Durante a noite cavalgaste,
Com minhas carícias como açoite.
Luxúria.
Meia-noite.

Tu me abandonaste;
Tudo se perdia.
Tristeza.
Amanhecia .

sexta-feira, abril 20, 2007

Poesia Árabe (original)

Lendo um texto sobre a Arábia pré-islâmica, descobri que, em determinada época, um pouco antes de Maomé, os poetas eram os chefes tribais. E eles tinham uma disputa de poesias que substituía a guerra nos meses sagrados; e os vencedores tinham sua poesia escrita sobre seda com letras de ouro e eram colocados na Ka´ba. Isto faz-me pensar em como os poetas são desvalorizados em uma cultura, como a nossa, em que há uma banalização da informação e do saber e como eles (nós) eram importantes numa sociedade em que a forma de se preservar a memória era através da poesia. A poesia para os povos árabes, ainda tribais, tinha um caráter duplo: por um lado contar as façanhas heróicas da tribo e de seus guerreiros; e por outro tratavam o amor, muitas vezes não correspondido. Aqui vai uma mostra deste tipo de poesia:

Vi uma donzela cujos cabelos caem
Até o solo e são negros como a noite.
Debaixo de suas tranças escuras, se assemelha à aurora surgindo das trevas.
Es tão bela que todos a admiram
E se apressam em servi-la.
E eu ocultarei meu amor no fundo do meu coração
Até que me seja permitido revelar-lo.

Poesia n°3

Ela é tão delicada e suave que eu tenho até medo de tocá-la. e possui uma ciência, um olhar sério que por vezes me assusta. Ah, mas como o riso nasce fácil naqueles lábios e eu fico tão comovido quando é direcionado a mim. Depois de hoje não poderia fazer mais nada a não ser escrever:
(escrito em papel de pão)

Da coleção "Hebréia":

Se pudesse mais perto de ti chegar,
E fazer surgir em sua face o rubor;
Com insanas promessas arrebatar
Da tua boca um beijo com furor.

Não me olhes assim entediada,
Como quem já ouviu isto antes;
Numa chance deixarei-te extasiada
Contando-te meus sonhos, contigo, delirantes.

Ah, dê-me ao menos um sorriso,
Pois tua boca, de tal maneira, me encanta
Que ao chegar perto eu perco o ciso.

Quero ver se manténs-se séria e santa
Se como um corsário eu te atacar
Tocando a fonte, fazendo seus tesouros me entregar.

terça-feira, abril 17, 2007

Poesia

Queria ter algo para escrever;
algo que fizesse jus a sua beleza;
mas hoje as palavras fogem;
espero que perdoe esta indelicadeza.

é que te sinto tão perto,
que de ti fico repleto, assim
os meus versos saem tão incertos,
que não sei se são dedicados a ti ou a mim.

mas saiba que pensei em você;
a cada segundo, cada instante vão;
fingi que sobre você escrevia
e te entregava, na poesia, meu coração.

segunda-feira, abril 16, 2007

Noir

Ela tem um jeito ousado de se vestir que o fascina. Parece que ela foi sempre assim. Parece que sempre teve uma pena na orelha e unhas vermelhas. Mas ele descobriu que não é bem assim. Como a rosa do Pequeno Príncipe ela cultiva suas garras rubras para se defender do mundo, para se esconder de si mesma. E o ar liberal só esconde uma mini-réplica de Bárbara Bush.
No balcão do bar ele pede mais uma dose de rum e continua em silêncio. Não quer atrapalhar os pensamentos e a fala da moça ao lado, que mais parece uma chaminé. Ela está nervosa, passando por uma crise de autoconhecimento. É como uma borboleta saindo do casulo. Ele não pode fazer nada a não ser estar ali; ou mandá-la regular nos cigarros. Bom, ele prefere continuar só ouvindo-a falar sobre suas dúvidas vocacionais.
Ela termina sua bebida. Trocam olhares rapidamente. Ele se levanta, paga a conta, toca suavemente a sua mão e se dirigem ao estacionamento em silêncio.
Ele a leva em casa. Um prédio bonito, com muitos apartamentos. Observa-a por longos segundos. Continuam em silêncio. Não falam nada, pois mais nada precisa ser dito. Está tudo ali, numa insustentável leveza entre os dois. Ela sai, sem ao menos dizer adeus. Ele sabe o que se passa em sua cabeça e não ousa questioná-la. Apenas respeita, esperando o dia em que ela volte a ser ousada.
Ele parte, dirigindo apenas. No rádio um blues triste e longo toca. Seus pensamentos são agridoces. Só consegue pensar nos olhos dela. Como são belos e como escondem a tristeza. Aquele amêndoa, rajado, levemente, de verde sempre o persegue. Parecem que nasceram para refletir amor e paz, mas é o contrário que está lá. Ele não consegue acreditar nisso, mas esses olhos nunca mentiram antes, então por quê o fariam agora? Ele volta para o bar. Pede uma dose dupla de rum e pensa em tudo o que deixou de fazer; em cada oportunidade perdida. Ser mais arrojado talvez fosse a solução, mas ele prefere a segurança do poderia, do quê o incontestável do aconteceu. Valeu a pena? Só quem contemplou o fundo daquele olhar sabe a resposta...

terça-feira, abril 03, 2007

Visita

Ele se olha no espelho pendurado no canto do seu quarto-cozinha e pensa que deveria ter aparado a barba. Talvez cortado o cabelo também. Cheirou a camisa pendurada na cadeira e achou que deviria tê-la lavado. Na verdade ele achava que a sua vida precisava de ordem, de organização. Precisava retomar as rédeas, controlar as coisas. Na vitrola (ele ainda tinha uma) tocava o LP construção, do Chico, que ele havia encontrado num sebo. Arrumou as coisas em cima da mesa. Pôs duas xícaras, uns pãezinhos, uma rosa que havia roubado de algum jardim e foi esquentar a água para o chá. Queria que estivesse tudo pronto para quando ela chegasse. A campainha toca. É ela. Estava divina no seu vestido de primavera, os cabelos negros soltos e um nada de maquiagem. Ele pede que entre e que se sente. Ela recusa. Ele pergunta se ela gostaria de um pouco de chá. Ela diz que está com pressa. Ele oferece uns pãezinhos. Ele diz para acabarem logo o que têm que fazer. Ele concorda. Eles se abraçam e ela lhe dá um beijo vigoroso e demorado. É a melhor sensação da vida dele. Tudo gira e vai anuviando. Seu corpo está leve junto ao dela. Não sente mais nada. Dois dias depois a vizinha encontra o corpo do jovem senhor. Estava morto, fedendo e com um sorriso indefectível nos lábios...

sábado, março 31, 2007

Diálagos

Sr Sensocomum
- Pois você tem acompanhado os casos de violência no Brasil? Estamos enfrentando uma verdadeira guerra civil...

Sr Boldmind
- Não sei. Acho que padecemos do mal do século: excesso de informação...

Sr Sensocomum
- Como assim??? Você agora quer negar que estamos em combate contra os traficantes e que, a cada dia que passa, eles ficam mais ousados e violentos???

Sr Boldmind
- Não, na verdade acho que a violência sempre existiu, mas haviam lugares aceitos para ela. Por exemplo as favelas, os subúrbios. Lugares longes de nossos olhos. Agora a violência transbordou estes lugares e esta chegando mais perto de nós, classe média, e isto nos assusta. Mas o medo é muito mais que isto. Ele nos é entregue como uma mercadoria pronta para consumo. Virou mais uma indústria.

Sr S
- Você quer me convencer que a violência não existe e que o medo é apenas uma construção?

Sr B
- Não quero te convencer de nada meu caro amigo e nem disse que a violência não existe. Pelo contrário, talvez ela seja a coisa mais real na vida em sociedade. O que são as leis se não meios de nos defendermos uns dos outros? A civilização é apenas um conceito que perseguimos, mas nunca vamos alcançar. Uma história da carochinha para adultos é a idéia de que podemos ser civilizados sem a força da lei para nos controlar. O que eu realmente disse é que o medo gerado pela violência foi construído para o bem de alguém que não o nosso. Estão fazendo parecer que a violência está em todo lugar para nos assustar e, assim, alguém lucrar com isto. Ou não percebeu que o JN está a cada dia mais parecido com o antigo programa do Alborguetti?


Sr S
- É verdade. Os jornais estão mais violentos, mas foi a sociedade que piorou. Você vê cada caso de assassinato brutal hoje em dia que dá até um ruim...

Sr B
- Sim, mas estes casos de violência isolados nunca foram notícia. Pessoas sempre morreram de formas estúpidas e violentas, mas antes ninguém fazia alarde sobre isto. A questão é que nada hoje em dia é notícia e por isto tudo vira notícia. E isto com a finalidade de preencher um apetite infantil de nossa parte por informação.

Sr S
- Certo, mas esquecendo isto, o que você acha do envolvimento cada vez maior de menores nos crimes que vemos? Não sei. Na minha época parecia ser tudo melhor e mais calmo, mas hoje em dia está tudo virado. Crianças de 12 anos se envolvendo em crimes hediondos. Não dá nem para andar sossegado na rua que já vem a pivetaiada te roubar.

Sr B
- Eu sei que, terminantemente, me recuso a ter medo de crianças!

Sr S
- Hein!? Você quer dizer que não acha que os adolescentes estão cada vez piores? Que eles vêem das favelas só para nos assaltar? Só falta me dizer que também é contra a redução da maioridade penal!

Sr B

- Não sou contra redução da maioridade penal. Sou é a favor da criação de igualdade de oportunidades entre estes adolescentes e os nossos. A redução da maioridade penal tem que vir acompanhada de medidas que não deixe os jovens enveredarem pelo caminho do tráfico e da violência. Talvez assim ela nem seja necessária. E não se esqueça: se estes jovens hoje são violentas é porquê eles sofreram uma violência da nossa parte primeiro. Eles não precisam de condenação porquê já nasceram condenados a viver esta vida.

Sr S

- É, nisso concordamos: também acho que é pela educação que poderemos resgatar estes jovens.

Sr B
- Não criatura, não foi isto que eu disse. Igualdade de oportunidades não é só educação. É uma divisão mais justa do nosso PIB. Não sei quem foi o idiota que criou a idéia de que a educação tem este papel de salvadora do mundo. Pois desse jeito parece que ela é causadora de todos os males também. Lógico que ela é uma peça importante, mas não é a única.. È só comparar. Você fale em educação e eu em igualdade de oportunidades. Oras, se fosse só pela educação dois jovens que terminassem o ensino médio juntos, mas um em escola particular e outro em escola pública, teriam as mesmas chances dentro do mercado de trabalho. Ledo engano. Eles precisam partilhar das mesmas oportunidades, o que a educação sozinha não alcança. È um caminho insuficiente. Quem compra esta idéia está mais preocupado em maquiar o problema e não resolvê-lo. È mais fácil jogar um jovem 4 horas por dia numa escola do que garantir a ele meios de viver de maneira digna.

Sr S
- O que podemos fazer então?

Sr B
- primeiro não comprar a idéia de que devemos temer tudo o que é diferente. Depois precisamos resgatar a dignidade das pessoas que vivem na pobreza, com a garantia de uma renda mínima mesmo quando ela está desempregada. Garantir um futuro de verdade aos jovens e não apenas sub-empregos em lanchonetes, ou fazendo bicos. E por fim devemos nos preocupar realmente em resolver a questão e não só despejar a resposta pronta de que é pela educação que as coisas vão melhorar. Pois quando empregarmos um mínimo das nossas forças nesta busca por soluções o problema já não existirá; ele simplesmente se resolverá.

quarta-feira, março 28, 2007

300 de esparta: A Batalha de Termópilas

(a pedidos)

O filme estréia nesta sexta-feira (30/03) e muita gente vai estar perguntando sobre ele. Resolvi fazer um paralelo sobre a HQ (já que o filme se diz muito fiel a ela) e a Fonte. Ah, com relação a isto acho bom um pouco de teoria da História: Fonte é todo e qualquer documento, escrito ou não, que nos permite vislumbrar coisas do passado. É a partir da fonte que os historiadores fazem a História; constroem conecimento. Lógico que fiz a crítica devida a Fonte, mas não a analisei profundamente. Simplesmente transcrevi o que ela nos diz.

A quisa de introdução: podemos dizer que a batalha de termópilas foi o primeiro enfrentamento terrestre entre o exército persa e os gregos. Cerca de 250.000 bárbaros, comandados por Xerxes, contra 4 mil gregos, comandados por Leônidas. Apesar da derrota, a heláde impos duras perdas aos persas e abalou a moral da tropa. Bom vamos aos itens!

Trezentos:
HQ – Na HQ eles são a guarda pessoal do rei Leônidas e que partem junto com ele para lutar contra os persas.
Fonte – Com a impossibilidade de irem lutar, imediatamente, com a totalidade do exército contra Xerxes por causa do Festival da Carnéia, o conselho resolve escolher trezentos guerreiros para lutar junto ao rei Leônidas (obrigado por lei a ir a guerra). Estes compunham uma tropa de elite, também conhecida por Cavaleiros, e deveriam ser homens que tivessem filhos para garantir o culto a memória dos heróis. Logo, a passagem presente no HQ em que o capitão fica exaltado com a morte do filho não é confirmada pela fonte.

Leônidas:
HQ – Leônidas, na HQ é o rei por direito de Esparta desde a infância e assumir esta posição de rei, para ele, seria algo natural.
Fonte – A fonte nos diz que Leônidas assumiu a realeza em Esparta de maneira imprevista. Ele tinha dois irmãos mais velhos, Cleomenes e Dorieus, e nem cogitava a idéia de vir a ser rei. Mas Cleomenes, que era o rei, morreu sem deixar descendência masculina e Dorieus havia morrido na Sicília. Assim Leônidas, que era casado com a sua sobrinha Gorgó, filha de Cleomenes, tornou-se rei de Esparta. Na fonte também temos uma genealogia de Leônidas que nos mostra que ele era descendente de Heracles.

Xerxes:
HQ – Xerxes aparece como um rei efeminado, cruel e arrogante.
Fonte – Xerxes (que significa “Guerreiro”) é um rei muito “civilizado”, apesar de muitas vezes Heródoto chamá-lo apenas “Bárbaro” (conceito de bárbaro é todo aquele que não compartilha da cultura helênica), e que escuta seus subordinados e aplica a justiça conforme lhe convém. A “vitória” dos espartanos faz com que o Grande Rei sai da sua “serenidade” e ultraja o cadáver de Leônidas, arrancando-lhe o coração e decepando a sua cabeça.

Imortais:
HQ – Tropa de elite persa que é enviada duas vezes para combater os espartanos. Eles perdem a primeira e ganham a segunda.
Fonte – é basicamente isto mesmo. Eles escolhiam os dez mil melhores soldados para formar esta tropa de elite, que se diferenciavam pelas roupas e as armas (usavam lanças maiores que o resto das tropas). Eram chamados de imortais porque cada soldado que morria era substituído por outro, de igual valor, fazendo parecer que seu número nunca diminuía. Eram comandados por Hidernes.

Éforos:
HQ – Aparecem com sacerdotes dos deuses corrompidos pelos persas para evitar que os espartanos fossem a guerra.
Fonte – são ocupantes de um cargo “executivo” (como se fossem prefeitos) e que colocam em ação as ordens do Conselho.

Carnéia:
HQ – festival dedicado aos deuses antigos.
Fonte – eram festas publicas dedicadas a Apolo no mês de Cárneion (metade final de agosto e metade inicial de setembro), considerado mês sagrado. Leônidas foi defender as Termópilas com o intuito de segurar os persas até que se passassem as festividades e o grosso das tropas pudesse se juntar a eles. No resto da Grécia ocorriam as olimpíadas, o que também impediu uma mobilização maior.

Tebanos:
HQ – aparecem como mais uma tropa de apoio aos espartanos nas Termópilas.
Fonte – o rei Leônidas obrigou os tebanos a se juntarem ao seu exército, pois estes eram considerados amigos dos persas. Foi como um castigo importo a eles.

Ep(h)ialtes:
HQ – um “monstro” corcunda, de origem espartana, que conta a Xerxes, depois de refutado por Leônidas, o ponto fraco das termópilas: uma trilha que levava até a retaguarda do exército grego.
Fonte – ele era um málio, não espartano, que entrega ao Grande Rei o segredo da trilha de bodes que contorna as Termópilas em troca de prestígio e dinheiro. Depois da batalha os helenos colocaram sua cabeça a prêmio, mas ele foi morto por um tal de Atenadas e por outro motivo que Heródoto não explica.

Arautos de Xerxes:
HQ – vão as cidades gregas pedindo “terra e água”, isto é, uma rpova da vassalagem destas cidades. Quando chegam em Esparta são mortos por Leônidas que os jogam em um poço.
Fonte – basicamente isto, mas quem os jogou no poço não foi Leônidas, mas seu predecessor Cleomenes, mandando que eles pegassem “terra e água” lá no fundo do mesmo; eles também não foram enviados por Xerxes, mas por seu pai Darios. Depois Leônidas, por conta de uma revelação da pítia que dizia que os espartanos seriam amaldiçoados por conta disso, resolveu mandar dois espartanos para morrer nas mãos de Xerxes e assim vingar a morte dos arautos. Porém Xerxes não matou os mensageiros de Esparta, mas os mandou embora como sinal de superioridade dos persas.

Mais algumas coisas que não tem na HQ, mas que eu acho interessante...

A Pítia, que era a mulher que revelava os oráculos, havia dito aos Lacedemônios que ou Esparta seria destruida pelos bárbaros, ou o seu rei, vindo da linha de Heraclés, teria que morrer. Este foi um dos motivos que Leônidas dispensou todas as outras tropas e permaneceu com seus Trezentos para abatalha final.

Segundo Heródoto um espartano sobrepujou todos os outros em bravura. Seu nome era Dieneces. Foi ele que respondeu a alguns traquínios que diziam que as flechas disparadas pelos bárbaros cobririam o sol, tamanho era o exército deles. Ele disse “melhor, pois assim lutaremos a sombra.”

NA HQ Xerxes diz a Leônidas que as suas culturas têm muito em comum e, segundo a mitologia, é verdade. De acordo com essa, Perseu, um dos antepassados de Heraclés, e , assim, de Leônidas, também foi “colonizador” da Pérsia. O nome do lugar, inclusive, é em homenagem a ele. Mais do que retórica, eles realmente acreditavam nisto.

domingo, fevereiro 18, 2007

tú**, 18 de fevereiro de 17**

Caro Wilhelm

Tu não sabes quando dói a solidão do túmulo. O único som que escuto é o do vento por entre as castanheiras. As vezes alguns vermes vêem me visitar, mas não é companhia deles que anseio. Ah, minha alma ainda dilacera-se pedindo um pouco mais da presença de Charlotte; uma resga da sua atenção, da sua presença. Mas o meu purgatório é este; saber que depois de algum tempo ela já me esqueceu; que Albert suplantou-me em seu coração.
Mas sempre foi assim. Eu nunca fui mais que um brinquedo; uma distração agradável para as tardes chuvosas e as suas noites solitárias. Era apenas o amigo para o consolo, nunca há ser consolado. Eu sempre esperei apenas um sinal de seu amor, uma demonstração de afeição, mas só encontrei uma sanguessuga transmutada em amiga, alguém a esperando apenas receber, nunca dar.
Não morri com o tiro: morri com aquele beijo, que me elevou aos céus e mandou-me ao inferno logo depois. Foi o calor daqueles lábios que me abriu as portas da eternidade; foi a suavidade daquele instante que decretou minha condenação. Ah, esta mulher que nunca me amou, mas que sobe enganar muito bem para retirar tudo de mim. Talvez por não conseguir lhe negar nada ela se foi. Daria tudo a ela, mas ela não queria nada. Só queria uma amizade conveniente para se entreter. Fui apenas uma boa companhia, nunca uma hipótese de um amor. Esta constatação é que me matou. Apenas istoDesculpe-me pela brevidade desta carta. Um verme acaba de comer o meu dedo e não posso...

sábado, janeiro 13, 2007

DON JUAN - TRADUÇÂO

Inauguramos um novo ano com novidades no Inhame Filosofante. A partir de agora teremos traduções do inglês para o português e vice-versa (talvez, futuramente, teremos também do espanhol). Começo com Lord Bayron e a tradução do seu poema Don Juan. Para tal, tentei manter a versificação do inglês no português, isto é, mantive o mesmo esquema da rima, que é alternada nos seis primeiros versos e paralelas nos dois últimos (a-b-a-b-a-b-a-b-c-c). Não mantive a métrica porque eu não entendo muito de métrica em inglês. Uma vez que esta é baseada nos sons, no modo que se pronuncia a palavra, fica difícil imaginar como um homem do início do século XIX falava (principalmente em inglês com sesu infinitos modos de falar abreviado). Sem contar que o poeta pode alterar o modo de falar de algumas palavras para encaixá-las no seu poema. Preferi, então, fazer a tradução em versos livres. Peço aos meus três leitores (e eu sei que estes leitores são feras em inglês) que dêem sugestões e analisem a minha tradução. Mas lembrem-se: traduções são como as mulheres: as boas não são fiéis e as fiéis não são boas. Talvez a minha tradução não seja nenhuma das duas. Muito bem! Vamos ao Don Juan:

DON JUAN


Veneza, 16 de setembro de 1818
Canto Primeiro
(excerto)

Eu desejo um herói, um herói extraordinário,
Quando cada janeiro lançar em frente um novo janeiro
E até de jargões saciado o oficioso diário,
As eras descobriram que ele não é o verdadeiro;
Sendo assim eu não cuidarei do seu louvatário,
Por isto escolhi Don Juan, nosso velho companheiro;
Todos nós o conhecemos em cima do tablado[1],
Mandado antes do tempo para o diabo.

Vernon, Wolfe, Howke, Cumberland o estripador,
Príncipe Ferdinand, Granby, Burgoyne, Keepel, Howe,
Bons e maus, tiveram sua parte no louvor;
Como Wellesley deixaram também o seu sinal,
Cada um, como o rei Banquo, avança com esplendor;
Seguidores da fama, “os nove leitões”[2] da porca ancestral:
A França, também, teve Napoleão e Dumorier
Registrados pelo Moniteur e Courier.[3]

Barnave, Brissot, Mirabeau, Condorcet,
Petion, Clootz, Marat, La Fayette, Danton,
Eram franceses famosos como devemos saber;
E existiram outros, pouco esquecidos até então,
Hoche, Marciau, Lannes, Desaix, Moreau, Joubert,
Com muitos militares – tropa e pelotão -
Por eras serão extremamente notáveis,
Mas aos meus versos não são aceitáveis.

Nelson da Bretanha foi o senhor do mar,
E ainda deve sê-lo, mas a maré está mudando;
Não há nada mais a ser lembrado de Trafalgar[4],
Nosso herói está entre nós, na urna descansando;
Porque o exército tornou-se popular,
E até os marinheiros estão disso se aproveitando,
Além disso, o príncipe é, para todos, da pátria o guardião,
Relegando Duncan, Nelson, Jervis à escuridão.

Antes de Agamêmnon bravos homens viveram,
E desde então vão se superando em valor e sabedoria;
Calma como nenhuma, uma boa negociação tiveram,
Mas sobre eles os poetas não fizeram nenhuma elegia;
Não condeno a ninguém porque deles se esqueceram,
Porém não acho em nossa era homens com tal maestria,
Ajustado de tal maneira a minha poesia vã,
Então, como disse, aceitarei nosso amigo Don Juan.


VENICE, September 16, 1818.
CANTO THE FIRST.
I WANT a hero: an uncommon want,
When every year and month sends forth a new one,
Till, after cloying the gazettes with cant,
The age discovers he is not the true one;
Of such as these I should not care to vaunt,
I 'll therefore take our ancient friend Don Juan-
We all have seen him, in the pantomime,
Sent to the devil somewhat ere his time.

Vernon, the butcher Cumberland, Wolfe, Hawke,
Prince Ferdinand, Granby, Burgoyne, Keppel, Howe,
Evil and good, have had their tithe of talk,
And fill'd their sign posts then, like Wellesley now;
Each in their turn like Banquo's monarchs stalk,
Followers of fame, 'nine farrow' of that sow:
France, too, had Buonaparte and Dumourier
Recorded in the Moniteur and Courier.

Barnave, Brissot, Condorcet, Mirabeau,
Petion, Clootz, Danton, Marat, La Fayette,
Were French, and famous people, as we know:
And there were others, scarce forgotten yet,
Joubert, Hoche, Marceau, Lannes, Desaix, Moreau,
With many of the military set,
Exceedingly remarkable at times,
But not at all adapted to my rhymes.

Nelson was once Britannia's god of war,
And still should be so, but the tide is turn'd;
There 's no more to be said of Trafalgar,
'T is with our hero quietly inurn'd;
Because the army 's grown more popular,
At which the naval people are concern'd;
Besides, the prince is all for the land-service,
Forgetting Duncan, Nelson, Howe, and Jervis.

Brave men were living before Agamemnon
And since, exceeding valorous and sage,
A good deal like him too, though quite the same none;
But then they shone not on the poet's page,
And so have been forgotten:- I condemn none,
But can't find any in the present age
Fit for my poem (that is, for my new one);
So, as I said, I 'll take my friend Don Juan.

[1] Referência a peça de Moliére
[2] “nove leitões” – referência irreverente aos nove nomes do começo da estrofe., comparado aos oito reis e depois a Bonquo (personagem que aparece em Macbeth). Na verdade é mais um jogo lingüístico de Byron, do que uma referência exata.
[3] Jornais da época. O Moniteur continua existindo na Bélgica.
[4] Batalha em que a frota marinha de Napoleão foi derrotada e acabou com o sonho deste de conquistar a Inglaterra, levando a guerra para lá.