sexta-feira, maio 11, 2007

A Bailarina

Na ponta dos pés,
O olhar de tão menina,
Ela dança,
A bailarina.

Em cima do tablado
Sapateia com disciplina;
Ela flamenca;
A Bailarina.

Seus cabelos longos;
Tudo rubro na retina;
Ela fascina;
A Bailarina.

Fico, assim, embriagado
De uma sina;
Ela inebria
A Bailarina.

Este amor me consome,
Como da vela a parafina
Ela devora
A Bailarina.

Num passo arrebata,
Um beijo de cajuína;
Ela ama;
A Bailarina.

Ela me abandona
Sozinho na neblina;
Ela some
A Bailarina.

domingo, maio 06, 2007

Manual do Revolucionário Moderno

(reeditado do inhamefilosofante antigo)

Hobsbawn diz que estamos passando por uma crise de utopias. Concordo com ele. As pessoas não vêem mais sentido em mobilizações, marchas (sejam elas “com Deus, pela propriedade e a Família”, ou pela reforma agrária) – desconsidero a dos MGLTS que não passam de um grande carnaval – abaixo-assinados, boicotes e até mesmo a simples e compreensível indignação frente à corrupção por exemplo. Ninguém mais acredita nos grandes ideais, ou nas grandes causas. Não existem mais grandes causas. Por conta disso resolvi deixar este pequeno legado para as gerações futuras, para que não pensem que o pessoal que nasceu nos anos 1980 e 1990 era uma grande massa uniforme e alienada.

Primeiro ponto.
Seja um obeso ou esquelético.
Numa sociedade de culto ao corpo estar em uma dessas categorias configura-se um grande ato de revolta. O importante é estar desalinhado com o padrão de beleza imposto pela sociedade moderna. Nada de corpos que lembrem uma escultura de Michelangelo (desculpem-me as pessoas que cultivam o corpo, comparar estas maravilhas criadas nas academias com obras feitas com pedra e cinzel é muita grosseria da minha parte), mas que pareçam caricaturas mal feitas como símbolos da resistência a nova ordem. Ao invés de barrigas de tanquinho uma barriga de cerveja com estrias roxas por toda parte. Ao invés de músculos saltando pelas roupas, ossos bem definidos sobre a pele. O revolucionário moderno tem que compreender que deve usar seu corpo como uma arma contra o modelo de sociedade vigente; como forma de resistência política àqueles que nos querem tornar em um grande exército de barbies e kens.

Ponto B.
Leia os clássicos.
Abomine livros de auto-ajuda e best sellers (tirando a Bíblia e os do LFV, que não têm culpa de venderem bem). Os que aparecem em listas como a da “Veja”, “Gazeta do Povo”, ou que o autor aparece na ilha de Caras devem ser completamente ignorados, salvo para tirar sarro. Leia os clássicos, de preferência em sua língua original. Leia Platão, Shakespeare, Goethe, Nietzsche, Sartre, todos os românticos franceses. Despreze os Browns e os Johnson da vida. Despreze ainda mais os que fazem cópias baratas destes autores. Se alguém perguntar se você leu o “Qualquer coisa do Graal” ou o “Quem mexeu no meu...?” (complete com o que desejar) diga que você esta lendo a “Montanha Mágica” do Thomas Mann, ou “Os Miseráveis” em francês. Um revolucionário tem que ter um cabedal respeitável de cultura. Como alguém quer construir uma nova sociedade se nunca leu “A República” de Platão?

Item 3.
Fuja da mediocridade/vulgaridade.
Corra da mediocridade como o diabo da cruz. Conheça as coisas não só de ouvir falar. Não seja um papagaio de pirata. Se quiserem que você dê sua opinião abalizada sobre algum assunto não repita as baboseiras do Arnaldo Jabor, ou de qualquer comentarista da Globo. Fuja do “óbvio ululante” que ronda as mentes atuais. Informe-se. Isto fará com que ganhemos a guerra.

Quarto Mandamento.
Seja politicamente incorreto.
Uma pessoa que não enxerga é cego, cegueta. Uma pessoa que gosta de homem (e não é mulher) é bicha, viadinho, baitola; assim como mulher que gosta de mulher é sapatão, sapata, cola velcro. Uma pessoa de cor é negra. Alguém que não anda direito é manco. Nada de deficiente visual, homossexual, afro-descendente ou deficiente físico. Esta histeria do “politicamente correto” está minando as bases da sociedade. Se chamassem o Dr Luther King de afro-descendente ele nunca teria começado o movimento que angariou vários direitos aos negros norte-americanos. Eles querem fazer de cada pessoa um “Big brother” (do Orwell, não dá Globo. Dúvidas? volte ao ponto B); um alcagüete; um dedo-duro. Todos se policiando e se culpando torna-nos mais fáceis de sermos controlados. Assim nada sai dos eixos, porque ninguém vai emitir sua opinião em público com medo das represálias dos seus pares. Ensinar os filhos a cantar “Atirei o pau no gato” é o grande legado para as gerações vindouras. È a base do “politicamente incorreto”. Sem contar que uma criancinha fazendo apologia à violência causará horror a toda trupe ensandecida e vigilante do “politicamente correto”.

Mais alguns conselhos.
- Os revolucionários modernos devem abominar Che Guevara, porque ele virou fashion. Amem o Fidel, que não está na moda e lutou pelos mesmos ideais do “Che” (e que, segundo Sartre, ensinou o argentino o que ele sabia sobre revolução). Nada de camisetas da C&A com a foto do cabrón. Faça uma em casa e use-a!
- Piercing era o máximo da rebeldia nos idos anos 80. Agora 10 entre 10 modelos do Fashion Week usam. Um piercing íntimo pode ser uma saída.
- Assista TV Senado e TV Câmara ao invés de Globo e SBT.
- Não use roupas de marcas, nem compradas em grandes magazines. Melhor: não use nada. Não seja um “rebelde sem causa”, mas um “rebelde sem calças” como diria o poeta.
- O mundo moderno costuma transformar todos os símbolos de rebeldia em mercadoria e os comercializar, por isto é importante que o Revolucionário moderno seja uma “Metamorfose Ambulante”, como diria Raul (que também já caiu nas graças da burguesia), e que, acima de tudo, não seja consumista.
- Finalmente o revolucionário de nossos dias deve amar tudo o que é kitsh, mesmo não sabendo o que é isto direito (e o medo de cair no mau gosto!?)


Você não precisa seguir todos esses conselhos. Com certeza seguindo-os você não mudará o mundo. Mas crer, propagar e praticar pelo menos um deles tornará o mundo um lugar menos idiota para se viver...

quinta-feira, maio 03, 2007

Poeminha de Quinta

Teus olhos sorriem ao olhar
Que de tal forma me encantam
E me fazem, sinceramente, pensar
Por que eles também não cantam?

Assim me perco em devaneios
E enfrento inúmeras intempéries
Pergunto-lhe, enfim, sem rodeios:
Por que não me queres?

Contemplando-te adentro a beleza,
Alvíssimo sonho de mulher,
E passo a entender a natureza
De não ter o que se quer.

E mais nada importaria
Se teu olhar me acompanhasse;
Minha vida de tal forma se iluminaria,
Como um eterno sol que nasce.

(aula da judite o3/05)

quarta-feira, maio 02, 2007

Soneto

Aqui vai uma tradução de um soneto de Shakespeare. Segui a rima (abab abab abab cc), forma comum dos sonetos de Shakespeare e que as vezes eu imito. Não coloquei nenhuma métrica porque não tenho capacidade para tanto. Bom, quem quiser me presentear pode me dar um livro com os sonetos do bardo. Tem um da Martin Claret que parece ser muito bom (Apesar de feios, segundo meu amigo Palma, eles possuem boas traduções). Lembrem-se meninos e meninas: traduções são iguais as esposas: as boas não são fiéis e as fiéis não são boas.

Da mais alva criatura desejamos aumentar,
Que por meio disso a bela rosa nunca morrerá,
Mas como o maduro tem o tempo para expirar,
Sua suave herança sua memória conterá.

Mas tu contrataste para teus olhos brilhantes,
Alimentando a chama da tua luz como combustível,
Provocando uma escassez em meio a mentiras abundantes,
Teu “eu” teu adversário, para teu doce eu tão vil.

Tu que a arte, ao mundo, um novo ornamento traz,
E o único arauto para a esplêndida primavera,
Dentro de teu próprio broto, enterrada tua paz
E o doce beócio desperdiça onde a mesquinhez impera.

Lamenta o mundo, ou mas este ser voraz,
Para comer o direito, a ti, a campa e o que lhe compraz.



From fairest creatures we desire increase,
That thereby beauty's rose might never die,
But as the riper should by time decease,
His tender heir might bear his memory:

But thou contracted to thine own bright eyes,
Feed'st thy light's flame with self-substantial fuel,
Making a famine where abundance lies,
Thy self thy foe, to thy sweet self too cruel:

Thou that art now the world's fresh ornament,
And only herald to the gaudy spring,
Within thine own bud buriest thy content,
And tender churl mak'st waste in niggarding:

Pity the world, or else this glutton be,
To eat the world's due, by the grave and thee.

A vida tem dessas coisas.

Ele

Antônio era um homem tranqüilo. De compleição fraca, procurava não se preocupar muito com as coisas que o rodavam. Era marceneiro de profissão e trabalhava sozinho num galpão alugado. Fazia móveis, portas, janelas e brinquedos. Se bem que ninguém mais comprava brinquedos de madeira, mas ele os continuava fazendo. Não tinha muitos amigos, não freqüentava bares e não saía a noite. Chegava em casa, religiosamente, às 19hs, preparava sua janta, pois morava sozinho, e ia dormir logo após o jornal. Aos domingos passeava no parque perto de sua casa. Gostava de andar descalço pela grama e se sentar embaixo de uma árvore e para ver as pessoas passeando com suas famílias. Foi num desses passeios que conheceu Sílvia.

Ela.

Silvia era uma moça tímida e muito quieta. Ninguém sabe ao certo como os dois começaram a namorar. Ela sempre passeava com a irmã e os sobrinhos no parque e via aquele jovem senhor sentado ali, triste e solitário que dava dó. Parece que num domingo desses, ela se sentou ao lado dele e pegou-lhe a mão. Talvez tenha sido pena de vê-lo assim tão sozinho, ou então uma paixão repentina; não importa: eles começaram a namorar e três meses depois eles se casaram.

O Casamento.


A festa foi bem simples, na casa dos pais da noiva e para uns poucos convidados. Um padre amigo da família oficiou o casamento. Não viajaram em lua-de-mel. Ela simplesmente levou suas poucas roupas para a casa de Antônio e deu um jeito de arrumar o lugar, deixando-o um pouco mais confortável. Sílvia passou a trabalhar de diarista durante meio período e no resto do dia cuidava da casa. Agora Antônio já encontrava a janta pronta quando chegava em casa e passou a dormir depois da novela, para esperar a esposa. Aos domingos os dois iam ao parque depois do almoço e ao entardecer ela ia visitar a família e ele ia para um bar jogar dominó com uns primos de sua mulher. Foi no bar que ele conheceu Vanger, conhecida como Vandeca furacão.

A outra.

Vandeca furacão era o terror das esposas do bairro. Uma morena exuberante, que ia para o Rio de Janeiro desfilar em escola de samba e vivia no bar em meio aos homens, não se importando com os comentários das outras. Antônio ficou, como os demais, embasbacado com a espontaneidade e a beleza de Vandeca e por uma dessas ironias da vida, e a vida tem dessas coisas, ela também ficou interessada por ele. Passou a jogar dominó também para sentar-se ao lado de Antônio e encostar-se em sua perna. Por vezes se debruçava sobre a mesa e deixava transparecer o seu decote que ia até o umbigo. Ao final, tantas fez que conquistou o pobre do rapaz. Viraram amantes e ela ia todos os dias a sua oficina para encontrá-lo. Passaram dois meses desta maneira: todas as tardes, lá pelas 17hs, Antônio fechava o galpão e esperava Vandeca, com quem ficava até o final do seu expediente.


A briga.

Nestes dois meses todo o bairro já sabia do caso dos dois, inclusive Sílvia. Ela se fazia de boba, para não sofrer, mas no fundo sabia o que estava acontecendo. Foi um dia, Antônio chegou em casa e não encontrou a janta pronta. Ouviu barulho de choro no quarto e foi ver o que estava acontecendo. Sílvia estava com as mãos sobre o rosto e chorava copiosamente. Antônio quis saber o que aconteceu e recebeu de Silvia a resposta junto com uma metralhadora de palavrões. O resumo da ópera era que Vandeca tinha passado a tarde em frente à casa deles, anunciando para todo mundo onde ia e o que ia fazer. Sílvia não podia agüentar. Não agora que estava grávida. Antônio ficou mudo, mas sabia como ia resolver tudo. No outro dia Antônio carregou a mulher até o galpão e ficou trancado com ela até Vandeca chegar. Estava com um revolver calibre trinta e oito, que não serve para mais nada a não ser matar pessoas, que recebeu como pagamento de um serviço. As 17hs, a outra chegou e encontrou os dois quietos, esperando. Ficou muda também. Antônio mandou-a se sentar e começou a andar pelo galpão. Alguns vizinhos descobriram o que estava acontecendo e chamaram a polícia. Quando os guardas chegaram e cercaram o galpão tudo já tinha acabado. Pouco antes os vizinhos escutaram um disparo e correram para ver. No chão estava Antônio, com um tiro na cabeça e a arma na mão. Suicidou-se. E não o fez sem antes dar um demorado beijo na esposa jurando que só a ela amava. No galpão apenas Vandeca chorava. Sílvia estava firme, olhando com pena para o seu marido e para a outra. Ela ao menos sabia o que era ter sido amada.