sexta-feira, dezembro 22, 2006

TPN, ou uma crônica de Natal.

Uma semana antes

Ela acordou meio estranha. Era algo meio físico, meio psicológico. Estava com dor nas pernas e a boca seca, por conta da ressaca, causada pelo excesso de caipirinhas de bacardi que havia tomado na festa de fim de ano da repartição onde trabalhava. Sentia um comichão lá no fundo. Não sabia se era por conta dos pernilongos desta época do ano, ou uma inquieta vontade de apertar uns pescoços. Levantou-se e olhou-se no espelho. Realmente gostou do que viu. Foi para cozinha e viu um stick amarelo na geladeira lembrando-a que sua mãe queria fazer as compras de natal dali a dois dias. “Merda”, pensou ela.

No trabalho ninguém estava numa situação boa, pois todos tinham abusado da bebida e da comida. O pior mesmo eram os comentários sobre a festa. A maioria maldosos e alguns sobre ela. “Bosta, será que eu fiz algo que não lembro!?”. Ela achava que não, mas sabia que os sorrisos e tapinhas nas costas eram apenas teatro de um povo com aspirações de civilidade. Sorte sua que era seu último dia e que só voltaria na semana seguinte ao Ano Novo.

Cinco dias antes

Dia das compras. Não suportava o jeito com que sua mãe a tratava. Ela morava sozinha e era independete finaceiramente, mas sua mãe sempre a tratava como uma adolescente que precisa de vigilância. “Você não anda bebendo demais?!” Perguntava sua mãe sempre que se viam. Mas ultimamente a pergunta que mais a incomodava e que ela tentava evitar a todo custo: “Não está na hora de arranjar um namorado!?”. “Mas que droga”, pensava ela, “sim está na hora, mas não aparece nada decente para mim! Só aquele mala do meu ex que não larga do meu pé. Que merda!”.

Após horas rodando pelos shoppings e lojas da cidade ela conseguiu o que queria. Lógico que teve que disputar a tapas, literalmente, algumas peças. Mas nada que um sorriso e um chute certeiro na canela não consigam. Voltou para casa com dois vestidos, três sandálias, umas blusinhas, uma tremenda dor nas costas e com a vontade de matar alguém aumentando. Suas cachorras vieram fazer festa quando ela chegou e quase levaram um chute também. Fez um chá e foi dormir.

Três dias antes

Sua irritação estava batendo records. Não havia matado ninguém ainda, mas, por segurança, mandou suas cachorras para passar uma temporada num hotel para cachorros. O seu irmão ligou pedindo dinheiro para comprar um presente para a nova namorada. “Além de tudo tenho que finaciar este vagabundo e suas vadias.” Acabou descobrindo que tinha comprado um vestido maravilhoso para o Ano Novo, mas não sabia nem onde ia passar a virada.

Marcou cinema com um amigo. No meio de milhares de filmes sobre natais em família e crianças perdidas em casa ou aeroportos acharam um filme bom. Apesar da lotação do shopping, já que esta maravilhosa cidade não tem mais cinemas de rua, não demoraram mais do que meia hora para achar um lugar para estacionar. Viram o filme e, no cinema, dois mudos sentados na mesma fileira não pararam de falar. "Meu Deus!!!! As pessoas que você nunca imaginaria que incomodassem não param de se comunicar e de balançar todo o banco"; depois foram beber algo. “Mas que merda. Além de ter que sair com amigo por falta de namorado, este idiota não tira o olho do meu decote.” Ele a deixou em casa. “Agora deve estar olhando minha bunda”, pensou ela. “humft”. Tomou alguns calmantes foi dormir.

Véspera de natal.

Só de pensar que teria que passar o natal com os parentes na casa de sua avó, ela queria sumir. Infelizmente não podia, porque, pior do que o natal na casa da sua vó, era ter que agüentar sua mãe e os parentes questinando-a o ano inteiro sobre o porquê de não ter ido. Pelo sim, pelo não cabou indo. Afinal não ia durar muito. Depois da troca dos presentes e da revelação do amigo secreto (que bem que podia ser inimigo secreto) eles foram ceiar. Na mesa ela teve a infelicidade de sentar entre duas das suas tias “prediletas”. “Ai como você está magra!” “Onde está o namorado” “Você está ganhando bem, né!?” e mais uma rajada de perguntas. Ela só respondia com gestos de cabeça, ou com simples “sim” “não”, mas na sua cabeça pensava em mil respostas ácidas e sarcásticas; e só não as usava em consideração a sua vó, que no momento lhe oferecia outra coxa de peru. Quando estava tudo acabando e ela permitia-se ficar quase alegre veio a intimação: “você vem almoçar aqui amanhão, né!?”. Respondeu com um grunhido “humpzchit”. É podia ser pior.

Natal

Acordou com a cabeça latejando. Olhou-se no espelho e não gostou nada do que viu. Vestiu-se e foi, novamente, para casa da sua vó. No caminho recitava o mantra: “não vou matar ninguém. Não vou matar ninguém”. Chegando lá teve que comprimentar a todos novamente e encarar os mesmos sorrisos falsos. Pode perceber que suas tias cochichavam sobre ela: “Viu só, não se mistura.” “é uma metida mesmo”. Estrangulou um guardanapo para não fazer o mesmo com algum parente. Seus primos com os respectivos acompanhantes não melhoravam a situação. Almoçaram churrasco com a ceia requentada. Depois do almoço o seu humor estava melhor. “Pronto: acabou!” permitiu-se até um sorriso, que logo se extingüiu: “Você vem passar o Ano Novo com a gente, não vem!?” Um grito de pavor morreu em seus lábios. Nem respondeu. Empurrou as duas tias que estavam na porta, chutou um primo que resolveu namorar no portão, pegou as chaves do carro e fugiu sem olhar para trás. Quando estava quase chegando numa praia maravilhosa ela pensou: “Que merda! Deveria ter feito isto antes”.

A todos os leitores do meu blog um feliz natal e nos vemos novamente ano que vem. Se eu não voltar é que eu quebrei a banca de algum cassino argentino e estou viajando por aí, ou fui morto por este mesmo motivo...

6 comentários:

Anônimo disse...

Mais estressada que o seu Glicério!

Feliz Natal, mestre. E se quebrar algum cassino, pode me convidar para passarmos o reveillon nas Bahamas.

Anita disse...

Muuito bom! E por alguma razão acho que a Gu gostaria muito de fazer algo parecido...
Feliz natal pra vc tbém! E até 2007!
Ah, e vc for morto, não esquece de deixar o testamento :)

Monize disse...
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Monize disse...

Então... resolvi entrar na onda e tentar escrever um Blog... Não espere nada doce ou poético... mas talvez assim eu consiga botar pra fora essa coisa estranha que está aqui dentro... beijos!
Se quiser dar uma olhada... é: www.pequenasluminescencias.blogspot.com

Anônimo disse...

Oi amor.
Legal!!
Pena que é muito estresse pra uma pessoa só.

Olha que o Cassino ficou preocupado quando começamos a jogar!!! Até aumentaram os seguranças..
Beijos

Diego disse...

Nossa, parece comigo no fim de ano.