segunda-feira, abril 16, 2007

Noir

Ela tem um jeito ousado de se vestir que o fascina. Parece que ela foi sempre assim. Parece que sempre teve uma pena na orelha e unhas vermelhas. Mas ele descobriu que não é bem assim. Como a rosa do Pequeno Príncipe ela cultiva suas garras rubras para se defender do mundo, para se esconder de si mesma. E o ar liberal só esconde uma mini-réplica de Bárbara Bush.
No balcão do bar ele pede mais uma dose de rum e continua em silêncio. Não quer atrapalhar os pensamentos e a fala da moça ao lado, que mais parece uma chaminé. Ela está nervosa, passando por uma crise de autoconhecimento. É como uma borboleta saindo do casulo. Ele não pode fazer nada a não ser estar ali; ou mandá-la regular nos cigarros. Bom, ele prefere continuar só ouvindo-a falar sobre suas dúvidas vocacionais.
Ela termina sua bebida. Trocam olhares rapidamente. Ele se levanta, paga a conta, toca suavemente a sua mão e se dirigem ao estacionamento em silêncio.
Ele a leva em casa. Um prédio bonito, com muitos apartamentos. Observa-a por longos segundos. Continuam em silêncio. Não falam nada, pois mais nada precisa ser dito. Está tudo ali, numa insustentável leveza entre os dois. Ela sai, sem ao menos dizer adeus. Ele sabe o que se passa em sua cabeça e não ousa questioná-la. Apenas respeita, esperando o dia em que ela volte a ser ousada.
Ele parte, dirigindo apenas. No rádio um blues triste e longo toca. Seus pensamentos são agridoces. Só consegue pensar nos olhos dela. Como são belos e como escondem a tristeza. Aquele amêndoa, rajado, levemente, de verde sempre o persegue. Parecem que nasceram para refletir amor e paz, mas é o contrário que está lá. Ele não consegue acreditar nisso, mas esses olhos nunca mentiram antes, então por quê o fariam agora? Ele volta para o bar. Pede uma dose dupla de rum e pensa em tudo o que deixou de fazer; em cada oportunidade perdida. Ser mais arrojado talvez fosse a solução, mas ele prefere a segurança do poderia, do quê o incontestável do aconteceu. Valeu a pena? Só quem contemplou o fundo daquele olhar sabe a resposta...

2 comentários:

Monize disse...

Puxa moço... ficou mesmo muito bom ^^
Gostei bastante!
Uma Beijoca!!!

Anônimo disse...

Esses ambientes que você descreve são tão noir... O título foi muito bem escolhido, realmente.

Gostei da parte da "segurança do poderia". Estou meio nessa situação...